Eu tô com saudades e não é pouca. Tão pouco agora, antes de escrever este desabafo, procurei no Youtube Bizarre Strange Love do New Order, coincidentemente a mesma música que tocou quando estávamos naquela balada no primeiro ano da faculdade. Não foi a noite que nos beijamos, mas certamente, a noite que me apaixonei por você.

Estou com saudades daquela sua virada de olho quando eu falava as minhas besteiras, do seu sorriso quando ria das outras besteiras e das bufadas de insatisfação que você dava quando eu deixava de fazer algo. Estou com saudade de ter você pra me puxar de volta pra cama quando eu voltava do banho e te avisava “levanta, você vai se atrasar”. Poxa vida, se eu soubesse o rumo que as coisas tomariam, eu provavelmente teria voltado pra cama mais vezes.

Estou com saudades de quando a gente via série juntos e fazia o mesmo comentário sobre os personagens, rolava uma transmissão quimica-neurológica-meio-mágica-meio-mentira que só a gente entendia. Sinto sua falta na hora de fazer um carinho no cabelo, mesmo depois que você cortou e me assustou quão tamanha radicalização, eu aprendi a gostar, porque nós eramos ótimos nisso, nos adaptávamos um ao outro. Que loucura a vida, né? As coisas não saíram do trilho, só tomaram o rumo que deveriam tomar.

De manhã, no trem apertado, a gente ia abraçado, conversando ou apenas um sentindo o cheiro do outro e na despedida a gente se beijava, dizia que se amava pra se falar de novo nos próximos minutos. Que saudade eu tenho da nossa parceria.
Sinto sua falta nos momentos complicados, daqueles que eu só podia contar com as suas palavras, com o seu jeito de dizer que tudo ficaria bem, mesmo se fosse mentira. Nessas horas a gente começa a lembrar de tudo, até das vezes que não tínhamos um puto no bolso para pagar um hotel, então a gente estendia a noite no metrô, dormindo no banco frio contando com o calor um do outro. Aqueles dias foram os melhores.

Depois que você se foi, todos os dias são novos dias, eu não tenho mais aquela coisa de acordar e te dar bom dia. Todo dia pode ser uma nova oportunidade, uma novidade, não tem mais aquele roteirinho que eu não sabia que amava cumprir. A gente se dava tão bem, que até na hora de tomar a pior decisão das nossas vidas, nós fomos parceiros, até o fim, por assim dizer, fizemos por amor, se não fosse pelo nosso, que fosse de um pelo outro.

Um ciclo se cumprindo para que outro pudesse iniciar. Como tudo na vida que um dia é feito para acabar.

Toda vez que lembro do seu batom vemelho, penso como não sou nada. Das vezes que vasculhei em tuas fotos, mesmo que digitais, as impressões das lembranças que só nós dois podemos recordar. Por mais que existam coisas na vida que foram feitas apenas para passar, a vantagem da maturidade é poder lembrar.

Tem dias que me pergunto onde foi  que erramos, assim como prefiro aceitar que se foi para ser assim, assim será. Mas nada me impede de ouvir aquela música de passar pela mesma rua, de sentir o mesmo cheiro que dividimos enquanto tudo durou.

Deu vontade de falar sobre isso, por mais que você nunca vá responder. É que eu só queria te avisar, que lembrar é gostar de novo. E tem coisas que a gente escolhe não esquecer.

Não chora menina, que o tempo cura qualquer medo que a dor causa. Não chora, porque até o barulho da chuva serve pra acalmar o coração. Não chora não. Vai ter lágrima mais valiosa do que essa e arrependimento é um veneno difícil de lidar. Já disse, não chora, porque quando for pra doer mesmo, não vai ser no coração, vai ser na alma. Mas se for pra chorar, então chora com vontade, chora pra lavar a sala, a cozinha e o quintal. Porque se for pra só pra molhar não faz sentido, que seja pra inundar e afogar qualquer dor.

Três e cinquenta

Sexta-feira, 9 de Janeiro.

Dois policiais, um cabo e outro sargento, conversam antes de acompanhar os manifestantes do Movimento Passe Livre no Centro de São Paulo.

– Aí Mendonça, se liga.

Baixa o capacete, cobre os olhos, tranca a cara e empunha o cacete.

– Eu sou a lei!

O cabo dá um sorriso curto, fingindo achar engraçado.

– Juiz Dredd, porra, filmão com o Stallone, antigo pra caralho. Manja?

Ele sente o celular vibrar e começa a se mexer para alcançar o aparelho.

– Caralho. Porra. Não fizeram bolso nessas merdas de armadura. Cadê essa caralha de celular. O Mendonça dá uma força aqui.

O outro policial pega o celular no bolso do sargento e entrega em sua mão.

O sargento atende.

– Oi, filha. Não, o papai tá trabalhando. Bota no Datena que hoje o papai vai aparecer na TV. Não filha, sei lá que horas vou aparecer. Como assim não tem dinheiro pra ir pra faculdade? Maria Eduarda eu deixei o dinheiro contado em cima da mesa antes de sair. Você torrou essa merda no que? Não gastou? Aumento? Que porra de aumento? Quando aumentaram essa merda? Caralho, esses caras querem me foder. Pede pra sua mãe. Tá bom. Beijo. Papai também.

Desliga o celular.

– O Mendonça, vem cá. Que merda é essa de terem aumentado a passagem do ônibus de novo?

Estou no trem voltando para casa. Poucas estações antes do meu destino, um senhor negro, com barba grisalha e roupas largas e surrradas entra no vagão. A cor da sua pele é de um tipo que você quase não encontra mais por aí, parece que é preciso viver muitas coisas para chegar naquela tonalidade. Bonachão e cheio de trejeitos, ele carrega sua mala em um suporte com rodinhas e recusa a todas ofertas de assento que lhe oferecem. De fraco ele não tinha nada.

Ainda de pé, ele abre sua mala e retira uma garrafa de Skol de um litro que, aparentemente, não está gelada. Ele pede licença para mim e, milagrosamente, abre aquela garrafa no suporte de metal que fica ao lado do meu assento. Aquela barra de ferro é lisa e sem pontas, não dá para abrir uma garrafa alí, mas ele abriu.

Com um jeito de falar igual ao daquele vô que gosta de contar histórias e uma vitalidade de dar inveja, em cada estação que o trem parava ele dava boa noite e desejava bom descanso para os transeuntes da plataforma. Assim, na simpatia mesmo e até gritou um “Cuidado para não bater” para uma mulher que não largava do celular. Teve gente que riu.

Durante a viagem ele conversava em alto e bom som com três adolescentes. Sua atenção era para os garotos, mas sua voz era para o vagão. No intervalo entre um gole e outro na cerveja, falava sobre uma viagem que fez no mês anterior e que na falta de almoço, pois o prato de comida custava R$29 – sem churrasco- , sua única opção era beber cerveja, mesmo se estivesse quente. Alguns passageiros riam e outros fingiam que não estavam escutando. Naquela altura eu já desistira da minha leitura e prestava atenção em sua história. E o “mendigo”, como a gente costuma apontar, ganhou a atenção de metade do vagão. Alguns passageiros olhavam com os ouvidos.

Quando levantei, automaticamente ele colocou a mão no meu peito e disse “Pode ficar, garoto, não quero sentar”. Eu sorri e comentei que precisava descer, mas o velho rebateu “Não vai ficar pra janta?”. O vagão inteiro riu. “Vai com Deus, boa noite e bom descanso, garoto” e fui para casa rindo e matutando toda essa situação.

Realmente, storytelling é a palavra do momento. E tem gente que faz curso pra isso.

Bob’s

Eu no Bob’s um dia desses e um possível roteiro para o Porta dos Fundos.

– Olá, senhor. Boa noite. Obrigado por escolher o Bob’s, qual vai ser o seu pedido?

– Double Picanha Gourmet, por favor.

– Bacon ou Queijo?

– Nenhum, obrigado.

– Refrigerante e batata grande?

– Só o refrigerante.

– Ketchup e mostarda?

– Nenhum. Obrigado.

– Crédito ou Débito?

– Débito.

– Nota Fiscal Paulista ou o senhor gostaria de doar sua nota para nossa instituição de caridade?

– Nenhum. Obrigado.

– Mais alguma alguma coisa?

(Vinheta final pãrãm-rãrãm…)

Pós vinheta

– Paz mundial ou erradicação da fome?

– Gandhi ou Madre Teresa?

– Malafaia ou Levy Fidelix?

– Beijo na boca ou namorar pelado?

Meia molhada

As cinco fases da meia molhada na chuva quando você mora em São Paulo:

Negação: “Não acredito que essa merda molhou. Tênis furado filho da puta.”

Raiva: “Cidade mal planejada de merda, qualquer garoa e tudo alaga. Culpa do PT.”

Barganha: “Acho que se eu tirar o sapato não sinto o pé escorregar entre a meia e a sola. Tudo vai melhorar”

Depressão: “Foda-se meia, foda-se rua, eu só queria chegar em casa, seco, sem estresse. Não saio de casa nunca mais”

Aceitação: “Ok, azar. Molhou, não tem caminho de volta.
Vou para casa e lá eu tomo um banho pra esquecer tudo isso.”

Foi mal, Gregório

Desculpa, Gregório. Foi mal. Comprei “Put some farofa” na quarta e na quinta fui assaltado. Caralho, que raiva, este era meu quinto assalto (na papel de vítima e não meliante). Passa tudo aí, alemão. Celular, carteira e livro. Livro? Porra, não fode, malandro. Quer me foder? Carteira também não. Preciso voltar pra goma (tentei argumentar). Vai, então passa o IPhone. Passei, ou quase. Tirei do bolso, perdi o medo, olhei nos olhos e pei! Dei uma só. Mais rápido que o Flash (The Flash com artigo indefinido, para os não íntimos). Rachou a tela, caralho, mais cento e cinqüenta pra consertar no china. Toma outra com o livro. Pelo dia de merda. Toma outra. A terapeuta não resolveu um amor antigo. Toma outra. Por todos os prazos apertados que tenho para escrever meus textos. Toma outra. Por foder meu iPhone 4 parcelado em dez vezes e agora pela brochuras estragada do meu livro do Gregório. Caralho. Filho da puta. Ladrão tem que apanhar mesmo. Vou sair pela direita, subir a Augusta, correr pro metrô, vai que o olheiro me marcou.

Caralho, amassou todo o livro, mas o babaca apanhou. Por todo mundo no trabalho. Por todos os parentes. Por todos os imbecis parados ao lado direito na escada rolante. Por toda minha raiva.

O que importa é o que fica.

Eu tenho o defeito, assim por dizer, de me perder em lembranças. Certa ez, li por aí, que uma das vantagens em ser adulto, era poder visitar as antigas memórias e ter o conforto de que não poderia vivê-las mais. Ainda não aprendi a ser assim, por isso digo que -ainda-  me perco quando visito esses lugares. Pois é.

Ainda me recordo daquele dia que nos encontramos na ponte aérea do aeroporto pela primeira vez. Nossa primeira troca de olhoares. Assim como ainda me lembro daquele primeiro beijo quando você me puxou para dentro do metrô e, naquele instante, eu posso jurar que o tempo parou. Também não me esqueci daquela vez que te vi pela primeira vez no ônibus, jurava que estava indo para a faculdade, quando na verdade estava indo trabalhar.

Pois é.

Tomates cortadinhos me fazem lembrar da Vó Alzira na escolinha, porque ela sabia que eu não conseguia comer cada fatia por inteiro – pura frescura. Me lembro também quando meu falecido tio Adalberto perguntava “você almoçou?” e me fazia pão com ovo para o resto do dia. Eu tinha apenas seis anos. Assim como ele me falou “Manda ele tomar no cu” em uma das minhas primeiras discussões com moleques da rua. Eu não sabia o que aquilo significava, mas eu mandei.

Gosto de lembrar de tanta coisa, que poderia escrever aqui por dias. Tudo é lembrança: música, cheiro, lugar, roupa e cor. Não tem remédio, nem tempo que traz a cura para essas coisas. Talvez porque lembrar seja a melhor maneira de aceitar que tudo passou e o que te espera lá na frente, é o reflexo do que ficou.

Quando você for, não deixa a luz acesa, arrumas as tuas roupas e leva tudo embora.

Eu não vou estar aqui, vou inventar qualquer desculpa e arranjar uma boa mentira para contar para os outros.

Quando eu voltar espero não ver mais nada, nem a cortina da sala, a mesa de centro e os dias que vivemos. Vai ser um vazio que preciso preencher. Vou fingir que está tudo bem e falar para mim mesmo que outra hora as coisas melhoram, se não for agora pode ser amanhã, depois de amanhã, pode ser quando tiver que ser.

Pode ir, não gosto de lero-lero e meias palavras. Já colocamos os pingos nos ís e os pontos finais em cada frase desse capítulo.

Quando volta – se voltar – não precisa trazer nada, finge que não me conhece, pergunta meu nome e se a gente pode sair na quarta-feira que vem pra ver um filme.